“É preciso pensar o todo para enxergar o todo.” 
Allan Kaplan

Método

Esse espaço está dedicado a introduzir brevemente a abordagem que vem deslocando a forma como eu enxergo o mundo. Abordagem que renovou meu interesse pela Biologia e também virou uma chave importante e necessária na maneira como eu penso, sinto e faço o meu trabalho, envolvendo processos vivos, especialmente como facilitador de aprendizagem e consultor de desenvolvimento organizacional. Essa abordagem é conhecida como ciência de Goethe ou fenomenologia goetheana.

Com imagens quebradas
Ele é rápido, pensando com imagens claras;
Eu sou lento, pensando com imagens quebradas.
Ele se torna obtuso, confiando em suas imagens claras;
Eu me torno agudo, desconfiando das minhas imagens quebradas.
Confiando em suas imagens, ele pressupõe a importância delas;
Desconfiando das minhas imagens, questiono a importância delas.
Pressupondo a importância delas, ele pressupõe o fato;
Questionando a importância delas, questiono o fato.
Quando o fato o decepciona, ele questiona seus sentidos;
Quando o fato me decepciona, aprovo meus sentidos.
Ele continua rápido e obtuso com suas imagens claras;
Eu continuo lento e agudo com minhas imagens quebradas.
Ele numa nova confusão de seu entendimento;
Eu num novo entendimento da minha confusão.
Robert Graves

Como sondar o mistério da semente? 

Essa que contém em si, adormecido, todo o potencial da vida – de não apenas uma, mas milhares de outras vidas mais?

Existe, sabemos, uma forma de conhecer que observa e mede, segmenta e compara, delimita e define, assegura e atesta. A grosso modo, chamamos essa abordagem de objetiva, racional ou lógica. É considerada, em nossa sociedade, a via principal para acessar a ‘realidade última’ da semente. No final de uma investigação desse tipo, a semente em si é reduzida a imagens, palavras e termos que buscarão defini-la por completo – e que provavelmente serão vistos e entendidos por poucas pessoas. 

Existem, é claro, outras formas de conhecer a semente: as que observam e contemplam, que perguntam e silenciam, que imaginam e criam – histórias, músicas, versos… São formas que chamamos de subjetivas, poéticas ou artísticas. Não têm o status de ‘definitivas’, mas têm, em geral, a simpatia de muitos. Ao final desse tipo de investigação, restará a semente cercada de diversos ‘frutos’: significados que não a limitam, mas que vivem e se multiplicam na mente de cada um que se interessou por ela.

Qual dessas formas é a correta ou mais adequada não vem ao caso. Mas tendo chegado tão longe enquanto sociedade, por um lado – por exemplo, em nossas conquistas materiais e nos avanços científicos e tecnológicos que presenciamos -, mas estando tão mal sucedidos por outro – haja visto nossa enorme desigualdade social e a persistência da pobreza, da fome e das guerras, por exemplo -, vale ainda perguntar: 

  • O que deixamos de fora ao priorizar uma racionalidade que isola, esgota e descarta o objeto de sua atenção? 
  • O que essa forma de conhecer revela sobre nossa forma de nos relacionarmos? 
  • Que possíveis benefícios uma maneira de pensar e conhecer o mundo aberta a múltiplos e simultâneos significados poderia nos conceder?
Existe uma forma de conhecer
Nem muito aberta nem fechada
Que não busca o fim do processo de conhecimento,
ou a definição última.
Que não provoca paralisia, fragmentação ou morte,
daquilo que pesquisa.
Mas se move delicadamente, se dobrando ante o que vê,
e o que não vê.
Que nos permite soltar as amarras do controle do pensar,
embora seja árduo
Para fazer emergir, num tempo próprio,
um fluxo vivo de significados
que nos comove.
Uma forma de conhecer que empresta do brincar a leveza,
da leveza o rigor,
do rigor a maravilha.
Guto, 2020
Quem foi Goethe

Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832) ficou conhecido como o maior poeta alemão de todos os tempos, mas também desenvolveu, simultaneamente à arte e à dedicação ao serviço público, uma forma de fazer ciência que, embora rejeitada pelo ‘establishment’ científico da época, nos faz recordar nossa capacidade de compreender a vida em sua totalidade, a partir de um ‘pensar vivo’. 

O pensamento analítico e racional, que estabeleceu as bases para o extraordinário avanço científico e tecnológico que os próximos séculos veriam, recém despontava naquela época, e Goethe, já familiarizado com as realizações do trabalho de Isaac Newton (1642-1727), criticava a abordagem reducionista daquele estilo científico. 

Para Goethe, que estudou e produziu ensaios sobre a teoria das cores, a metamorfose da plantas e sobre o comportamento do clima, para citar alguns de seus muitos e diversos interesses, era possível conhecer o mundo natural de uma maneira viva, sendo conduzido a partir do objeto de estudo sem a necessidade de “aplicar” sobre ele uma bagagem conceitual pré-concebida baseada nas leis da física. 

Goethe considerava o fenômeno sob sua atenção algo vivo que, embora fosse invisível aos olhos, poderia ser acessado pelo que ficou conhecido como “empirismo delicado”, composto de algumas etapas que buscavam não o entendimento fragmentado das partes, mas uma compreensão possível da manifestação do todo – a totalidade maior que a soma das partes.

A nossa mentalidade, já curtida por anos de influência do racionalismo, tem muita dificuldade de conceber outra forma de conhecer o mundo ao nosso redor que não pela análise e pela lógica; gosto de trazer o exemplo do curso de Biologia quando sedávamos e abríamos, ainda vivos, pequenos animais para estudar os componentes de seus sistemas (respiratório, digestivo, etc); muito revelador e didático, de fato, mas ao final da aula o animal era morto e descartado. Será que aquele ‘algo’ que mantinha todos aqueles sistemas funcionando não seria tão importante quanto suas partes? Só porque não conseguimos tocar, medir, pesar significa que não tem valor para a ciência?

Trata-se, pois, não de desmerecer a contribuição da perspectiva racionalista, mas de encontrar um contraponto cognitivo complementar à nossa forma de pensar, para que possamos considerar também uma forma mais holística (holos = todo). Encontramos em Goethe uma epistemologia científica distinta da convencional, ao mesmo tempo delicada e rigorosa, que nos demanda o desenvolvimento de faculdades como a observação, a imaginação, a inspiração e a intuição, e nos oferece em troca a comunhão com a Natureza e seus fenômenos, numa revelação mútua do todo que nunca é, mas está se tornando sempre.