Práticas

Práticas de facilitação II

By Outubro 2, 2020 No Comments
Comecei recentemente uma série de postagens apresentando algumas das práticas de facilitação que uso e que considero importantes para qualquer tipo de encontro. Hoje vou falar sobre o “check-in” e a “definição de papéis”.

Quem é quem na sala de reunião

Outra prática que faz parte do meu repertório é a atribuição ou definição de papéis. Seja entre os facilitadores (caso haja mais de um), seja entre facilitadores e participantes, essa prática desperta a consciência de que, num grupo que tem uma busca em comum, somos interdependentes.

Existem alguns papéis fixos e outros ocasionais que podemos acionar ou não, a depender do contexto do encontro. Os papéis fixos são:

  • facilitador (es)

  • redator ou ‘colheitador’

  • guardião do tempo

A facilitação é um papel e é possível, inicialmente com ajuda e com o tempo de forma mais autônoma, que o próprio grupo defina uma ou mais pessoas para ocupar essa função a cada encontro. Não costumo recomendar a um grupo que nunca se encontrou ou mesmo grupos que atravessam momentos de conflito que nomeiem seus próprios facilitadores; esse papel vem com uma grande responsabilidade, pois exige que a pessoa que o assuma dedique-se a servir ao grupo, abrindo mão das próprias ideias e vontades para que o que é necessário possa emergir da conversa – e não ser ditado pelo facilitador ou por um participante. 

O papel do facilitador precisa ser atribuído com antecedência, pois envolve tempo de preparação: pensar e comunicar o propósito do encontro, buscar boas perguntas para estimular a conversa, definir a agenda (pauta) com as atividades e também organizar o espaço e os materiais necessários. Se você deseja conhecer mais sobre essa prática profissional, onde ela pode ser aplicada e dicas tanto para iniciantes como para facilitadores mais experientes, sugiro que conheça meu curso online “Diálogo & Facilitação: ponte para o pensamento vivo”; nele ofereço uma visão mais aprofundada, bem como casos reais e aprendizados com base em mais 15 anos de prática como facilitador de processos e consultor organizacional.

O redator ou ‘colheitador’ é um papel atribuído à pessoa que se ocupará de registrar as principais ideias, ‘clarões’ e decisões alcançadas pelo grupo. Apesar de ser importante que uma pessoa assuma esse papel – e que ela não seja forçada ou sinta-se coagida a assumi-lo – costumo estimular todos a realizarem sua própria ‘colheita’, ou seja, tomarem notas em seus cadernos e, ao final do encontro, contribuir com o registro do ‘colheitador’, que irá sintetizar e tornar disponível o registro a todos posteriormente. Esse papel pode ser atribuído logo antes do início da reunião; existem dicas interessantes que podem tornar os registros visualmente mais atraentes e é possível também contratar pessoas com o talento da facilitação gráfica, capaz de transformar toda a conversa do encontro num grande e colorido desenho, mais fácil e agradável de ler e recuperar as informações do que a ata, por exemplo.

O guardião do tempo é um papel atribuído a uma pessoa que deverá cuidar para que o encontro não avance além do tempo combinado. Ele pode informar ao grupo quando faltarem 20 ou 10 minutos para o fim do encontro, bem como ficar responsável por controlar o tempo de atividades. Muitas vezes o facilitador assume esse papel – e não há problema algum nisso, inclusive eu mesmo nunca perco a noção do tempo mesmo atribuindo a outro essa responsabilidade. Mas sinto que, ao convidar uma pessoa que em geral tem mais dificuldade em participar, estamos distribuindo a responsabilidade e convidando essas pessoas a estarem mais próximas do processo. Novamente vale praticar a sensibilidade e nunca obrigar ninguém a assumir um papel que não deseje, mas ser enfático e pedir ajuda ao grupo.

Indo além do básico

Não é comum encontrar os papéis que descrevo a seguir em reuniões, especialmente corporativas. Tenho mais de 6 anos dedicados especificamente a processos de aprendizagem e de formação de facilitadores e sei que não há melhor forma de aprender do que participando de uma facilitação, desde a preparação, até a condução e a avaliação posterior. Nos últimos anos pude levar estudantes ‘disfarçados’ de estagiários para dentro de organizações (sempre com o aval dos clientes) em que eu assumia o papel de facilitador ou consultor organizacional e, tanto o processo como os resultados de aprendizagem foram muito satisfatórios, tanto para os meus alunos como para as pessoas da organização. A aprendizagem baseada em desafios merece um artigo inteiro; se você tem interesse nesse assunto manda um alô aqui, de repente pode ser o próximo assunto do blog.

Os papéis que apresento a seguir são então opcionais e estão a serviço da meta-aprendizagem sobre a facilitação. 

O(a) co-facilitador(a) está em estreita relação com o facilitador; também deve planejar previamente a sessão, ajudar a pensar nas atividades e cuidar dos detalhes operacionais de forma a apoiar a atuação do facilitador. Ele pode também assumir, caso não haja interesse entre os participantes, os papéis fixos de redator e / ou guardião do tempo.

Os observadores são pessoas cujo papel é apenas observar e anotar. Em geral são convidados externos, uma vez que não podem participar do encontro por meio de contribuições verbais; mas caso haja interesse e disponibilidade dentro do grupo, é altamente recomendado que haja observadores internos se revezando nesse papel. O papel de observador, apesar de parecer ser um papel passivo aos olhos de quem participa do encontro, é um esforço tremendo e propicia um grande reforço ao trabalho, uma vez que a pessoa está direcionando 100% da sua atenção para diferentes aspectos do processo – e aumentando a consciência coletiva sobre os mesmos. Costumo designar, numa situação ideal, três observadores, cada um responsável por observar, registrar e depois reportar ao grupo os respectivos aspectos do encontro:

1) o que foi dito, 

2) a forma como foi dito, 

3) as reações das pessoas ao que foi dito. 

Como expus acima, a finalidade destes papéis é trazer consciência e aprendizados sobre o funcionamento do grupo como um todo. É essencial para isso, no entanto, prever um tempo para a devolutiva dos observadores, que até pode acontecer ao final do encontro, mas que recomendo ser feita numa reunião posterior, dedicada a olhar não para os resultados, mas para o processo de encontro – os desafios, os automatismos, os condicionamentos e a qualidade da conversa do grupo em questão. Não se deve apontar culpados, trazer justificativas ou debater o conteúdo trazido pelos observadores; apenas silenciar e ‘digerir’. Aliás, se você leu até aqui, este é um dos segredos e funções de quem trabalha com consultoria de processos – e utiliza a facilitação como ferramenta de processamento dos desafios internos: oferecer espaço e cuidar do campo para que as pessoas possam entrar em contato, processar e compartilhar aprendizados sobre suas jornadas individuais e como um coletivo / time / equipe / departamento / grupo.

O guardião do espaço é, assim como o guardião do tempo, uma pessoa designada a preparar, cuidar e arrumar o espaço antes, durante e depois do encontro. É incrível a diferença que um lugar bem decorado, ventilado e agradável faz na qualidade da experiência dos participantes. É possível pedir ajuda de uma ou mais pessoas para assumirem esse papel, que abre espaço para o uso da criatividade. A colheita visual, o lanche do intervalo, a disposição das mesas e cadeiras, a escolha do espaço em função da necessidade do encontro, o nível de ruídos, o conforto térmico são alguns dos aspectos que podem ser cuidados por esse papel. Pense que uma reunião que irá tratar de assuntos delicados ou relacionais ocorre de forma diferente na já batida sala de luz fria da empresa do que numa sala num outro lugar, decorada e ambientada para tal – ou mesmo num parque à sombra de enormes árvores. Claro, se sua reunião é de produtividade, nada de errado com a sala de luz fria, mas que tal caprichar no coffee break

Em suma, realizar uma pausa para que todos se apresentem e contem como estão chegando no início do encontro, bem como distribuir as funções entre os participantes são práticas que o (a) facilitador (a) precisa conhecer e ir dominando, uma vez que, em se tratando de relações humanas, sempre há sutilezas e a constante necessidade de vigiar e manter viva a atenção. 

 Bom, escrevi bastante e espero ter contribuído para que você se aventure a colocar em prática essas dicas e sugestões. Gostou? Estranhou? Ficou na dúvida? Manda seu elogio / desaforo / questão para contato@gutogutierrez.com ou aqui mesmo no site, ficarei contente em te responder. 

Até a próxima!